2006/10/21

 

TRADIÇÕES III

Entrámos no tempo fresco, época propícia à matança do porco. O dia amanhece cedo. Ainda andes do sol nascer vamos ao curral buscar o porco que vai hoje ser morto para sustento da família durante o ano. O grunhir frenético do animal afasta a dona que durante o ano o tratou duas ou três vezes ao dia, engordando-o com carinho e ele que tanto agradecia, não sabendo o que o esperava. Daí o “ estar enganado que nem um porco de engorda”. Segue-se o ritual da sua colocação e amarração sobre a banca e o acto concreto de “matar o porco”. O mais experiente mune-se da faca própria e desfere o golpe directo e objectivo de modo a que o animal sofra o menos possível. Desta vez tudo correu bem o bicho nem suspirou. A mulher encarregue do sangue apara-o para uma bacia com uma pitada de sal, mexendo-o continuamente para que não vá “coalhar”. Está pronta a primeira fase da matança: a morte do animal. Segue-se a segunda fase que é a da chamusca e lavagem do animal já morto. Assim, com caruma de pinho o porco é chamuscado, sendo-lhe queimados todos os pelos, seguindo-se a operação de “encalar” ou seja, dar à pele o calor apropriado para que atinja o endurecimento adequado. Passa-se então à lavagem. Munidos de telhas de barro ou pedaços de cortiça os homens lavam e esfregam o porco até este atingir a limpeza tida por conveniente. Uma última operação nesta fase é a passagem com uma faca bem afiada de modo a cortar um qualquer pelo que tenha ficado (barbear). A “abertura” do porco é feita pelo expert na matéria que, com a agilidade e destreza de um cirurgião, vai cortando e explicando as diversas partes do porco. “se queres ver o teu corpinho, abre o teu porquinho” vai dizendo e explicando. As mulheres, essas ficam agora encarregues da lavagem das tripas que irão depois servir umas para morcelas e outras para chouriços. Com o sangue e as aparas da carne aproveitada da abertura do porco, farinha de milho e condimentos, é feita uma mistura que no ponto ideal irá encher algumas das tripas e dar origem às morcelas, a cozer na panela que já ferve à sua espera. O porco agora aberto e limpo de todos os seus órgãos, vai ser pendurado no local mais fresco da casa, normalmente a adega, a fim de enxugar e arrefecer, estando na manhã do dia seguinte, pronto a ser desmanchado. Tudo isto é feito em ambiente de festa para miúdos e graúdos, com petiscos na brasa e mesa farta, o que não é habitual. Este é um dia de festa. No dia seguinte pela madrugada é hora de desmanchar o porco. Cortado segundo conhecimentos empíricos pelo mestre, e disposto na salgadeira de modo a poder ser consumido durante o ano em condições óptimas, esta é a última fase da matança propriamente dita. Há no entanto outro “ritual” que, esse sim, dará por finalizada a matança. Trata-se do “jantar dos porcos”. No domingo seguinte todos os familiares se reúnem para uma refeição farta em que o porco é rei e a sua carne é predominante sob vários pratos e iguarias. Terminou assim a matança, a próxima será alguns dias á frente em casa de um outro qualquer familiar, onde tudo será como aqui num ritual de trabalho e lazer. Hoje, salvo raras excepções, já se não faz a matança. Condições higiénicas e de saúde pública, levaram a que esteja a ser proibida a matança de porcos nas casas particulares. Resta-nos a acção de alguns grupos culturais que, reunindo as condicções sanitárias mínimas, conseguem que seja autorizada a matança para preservação da tradição, e a sua passagem às gerações futuras. Esta é mais uma actividade, outrora da vida normal das pessoas, que está dia a dia a tornar-se numa tradição, que importa preservar e dar a conhecer.

Comments:
Volto novamente para ilugiar este trabalho.
Gostei do primeiro e não menos deste. Ao lê-lo transportei-me para o tempo em que era mesmo assim e imaginei-me com 10 anos. Velhos tempos.
Parabéns.
 
O caminho "ditorial" deste blogo, e pelo que me apercebo, faz com que "os amem e os adorem".
Penso no entanto que estão no caminho certo. Até agora gostei e continuarei a ser visita assídua do vosso espaço.
 
As matanças. oh que saudades!
 
peço desculpa mas eu queria dizer caminho "editorial" e «os amem e os odeiem».
agradeço a publicação da correcção e continuem.
 
tu gostas é da morcela da banca...
 
Gostei do post. Recordar aquilo que está a perder-se e passá-lo às gerações futuras é meritório.
Quem não percebe...
Quanto à morcela que ocupou o raciocínio do nosso anónimo, lembramos que existem vários métodos de resolver o seu problema nostálgico. Se assim quizer ainda sa pode encontrar e não ficar-se pela recordação.
 
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